sábado, 26 de março de 2011

Chama-me pelos meus verdadeiros nomes

Não digas que é já amanhã
Que me vou embora,
Pois sabes bem que eu cheguei
Ainda agora...
Olha bem: olha para mim.
Eu sou cada botão de flor,
Que nasce no jardim;
Sou o fraco pipilar do passarinho
Que bate as fracas asas
No aconchego do ninho.
Eu sou como a lagarta dentro da flor,
Pequenina.
Escondida como uma jóia lá longe,
No interior da mina...

Pois eu cheguei agora, p'ra rir com alegria,
E para chorar também.
Sentir medo do mal, sonhar esperança do Bem.
Sentir o coração marcar cada batida
Com a dor do nascer e o alívio do morrer,
No ritmo que é de sempre,
No ritmo que é da Vida.

Eu sou como o insecto que se metamorfoseia
Quase sem sentir no rio sossegado,
Mas sou também a ave que voa caprichosa,
E, mal vê o insecto, já o tem devorado.

Eu sou aquela rã, alegre, a coaxar
Na margem da lagoa. E agora,
Também sou a serpente viscosa, rastejante,
Que num súbito ataque
De repente a devora.

Sou a criança débil nas terras do Uganda
Esquálida e faminta, as pernas, uns caniços
E o ventre dilatado
Caída sobre a terra.

Eu sou o mercador, aquele que tudo manda
Que amontoa fortunas vendendo a cada lado
As armas para a guerra.

Sou a rapariguinha de doze anos só
Que era refugiada.
E se atirou ao mar
Depois de violada.

E sou também aquele que então a violou,
E o Todo Poderoso do grande Politburo.
Aquele que tudo manda, que manda em todo o lado
E sou o infeliz que morre no silêncio
Do louco pandemónio do trabalho forçado.

Vive a minha alegria, cheia de flores a abrir
E vive a minha dor, com lágrimas a cair.
E se a alegria é breve, a dor é de arrasar,
Como uma vaga imensa que transborda no mar...

Chama-me pelo meu nome:
O nome verdadeiro.
Para que eu possa ouvir
E ouvir, o mundo inteiro.
As lágrimas e o riso, a alegria e a dor,
O peso da tristeza
A satisfação do amor.

Chama-me pelo meu nome:
O nome verdadeiro.
Para que eu acorde e abra o coração.
Chama-me pelo meu nome:
O nome verdadeiro
Para que eu possa abrir os olhos. Acordar.
E possa enfim abrir, abrir de par em par,
A porta ainda fechada
Dentro do coração.

Chama-me pelo meu nome:
O nome verdadeiro.
Para que eu possa sentir
Enfim a emoção
De abrir suavemente
A porta à compaixão!

Thich Nhat Hanh

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